Autora: Liliane Lodi
As fotografias são as peças de um quebra-cabeça científico que combinadas contam uma história de vida. Guilherme Maricato e Liliane Lodi fotografando uma baleia-bryde nas proximidades da Ilha Rasa, Rio de Janeiro. Fonte: Bia Hetzel/Projeto Baleias & Golfinhos do Rio de Janeiro ©.
FOTOIDENTIFICAÇÃO
Em 1975, cientistas da América do Norte reuniram-se durante o Simpósio Nacional de Baleias na Universidade de Indiana, em Bloomington, nos Estados Unidos. O “burburinho” do simpósio era a fotoidentificação ou foto-ID, uma nova técnica que os pesquisadores estavam desenvolvendo para estudar os cetáceos individualmente. Este simpósio abriu a porta para um melhor entendimento sobre a vida secreta das baleias.
A identificação individual é uma técnica importante para estudos de comportamento, ecologia e biologia populacional. Os pesquisadores que trabalham com cetáceos podem escolher entre uma ampla variedade de ferramentas, dependendo das questões abordadas, considerações logísticas, segurança animal e humana, habitat e características das espécies.
Para identificar com precisão os indivíduos, a técnica de fotoidentificação é uma ferramenta vital e não invasiva que utiliza as marcas naturais nos cetáceos. Estas marcas estão presentes nas nadadeiras dorsal e caudal, cabeça e lateral do corpo, dependendo da espécie em questão.
Os estudos de identificação com fotografias requerem muitas horas de pesquisas intensivas em campo e horas ainda mais longas do processamento subsequente e trabalhoso do material fotográfico. Graças aos recentes avanços na fotografia digital, imagens digitais de alta qualidade podem ser obtidas em um curto espaço de tempo e os dados de identificação com foto podem ser processados com a ajuda de softwares que auxiliam o processamento, armazenamento e gerenciamento de imagens digitais.
Após o simpósio na Universidade de Indiana, cientistas passaram a reunir as histórias sobre as sociedades dos cetáceos, literalmente, por meio de fotografia por fotografia. Atualmente existem catálogos fotográficos e documentos para centenas de populações de baleias e golfinhos em todo o mundo.
AS BALEIAS-DE-BRYDE
A baleia-de-bryde possui uma distribuição circunglobal nos oceanos Atlântico, Índico e Pacífico, nas zonas tropicais e subtropicais. Estas baleias são quase um enigma para os pesquisadores de cetáceos. Com poucas informações disponíveis, os estudiosos têm diferentes teorias sobre sua classificação. A Comissão Internacional Baleeira (CIB, 2019) e a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN, Versão 2019-2) consideram a baleia-de-bryde como uma única espécie, Balaenoptera edeni. Pastene e colaboradores (2015) sugerem que as baleias do Peru, Chile e Brasil pertencem à espécie B. brydei com base em análises genéticas.
No Brasil, é encontrada em áreas costeiras e oceânicas. Existem registros para a espécie desde o Rio Grande do Sul até o Pará. É principalmente avistada na região Sudeste (Rio de Janeiro e São Paulo) em áreas próximas à costa, em especial na primavera, verão e outono, pois não é uma espécie migratória como as outras baleias.
Seu estado de conservação está classificado na categoria “Menor Preocupação” de acordo com a Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, versão 2019.2).
O RECONHECIMENTO DE DIFERENTES BALEIAS-DE-BRYDE ATRAVÉS DA FOTOIDENTIFICAÇÃO
Os cortes e as cicatrizes da nadadeira dorsal das baleias-de-bryde têm características únicas. Nenhuma baleia é igual a outra. Estas marcas assemelham-se às nossas “impressões digitais” ou a um “código de barras”.
As fotografias são ordenadas de acordo com sua classificação de qualidade na escala de 1 a 5 (pobre a excelente). Após uma seleção cuidadosa, a melhor fotografia de cada indivíduo (aquela em que a nadadeira dorsal aparece por completo, com melhor foco e perpendicular à câmera) é selecionada para compor o catálogo e recebe um código. À medida que o indivíduo catalogado é reavistado, novas informações são acrescentadas ao banco de dados formando uma “biografia” do animal.
O compartilhamento de fotografias de baleias-de-bryde fotoidentificadas é fundamental para o conhecimento e divulgação das avistagens e reavistagens de um mesmo indivíduo em datas e locais diferentes.
Baleia-de-bryde fotoidentificada pelas marcas na nadadeira dorsal em dezembro de 2012 em Copacabana (foto de cima) e reavistada na Ilha Rasa em fevereiro de 2014 (foto de baixo), Rio de Janeiro. Fonte: Liliane Lodi/Projeto Baleias & Golfinhos do Rio de Janeiro ©.
Apesar da técnica parecer ser simples, os cetáceos passam a maior parte do tempo submersos e aparecem na superfície apenas por alguns instantes. É neste breve momento, quando das baleias-de-bryde veem à tona para respirar, que a nadadeira dorsal se torna visível acima da superfície da água e então é possível fotografá-la. Somado a estas dificuldades é preciso levar em consideração o comportamento arisco e evasivo das baleias-de-bryde.
BRYDES DO BRASIL
Devido ao conhecimento incipiente da espécie no Brasil, foi criado o website Brydes do Brasil, uma plataforma virtual (disponível também nos formatos celular e tablet). Trata-se de uma iniciativa voluntária de pesquisadores do Projeto Baleias & Golfinhos do Rio de Janeiro interessada em reunir o maior número possível de registros de baleias-de-bryde fotoidentificadas.
OBJETIVOS
Mobilizar e envolver a sociedade na pesquisa científica participativa.
Elaborar uma base de dados de baleias-de-bryde fotoidentificadas em águas jurisdicionais brasileiras, por meio de um acervo fotográfico concentrado.
Identificar, comparar e quantificar novas ocorrências das baleias-de-bryde identificadas em uma mesma área.
Determinar os deslocamentos da baleia-de-bryde na costa brasileira e áreas chave para a conservação da espécie.
Conscientizar sobre a necessidade da conservação das baleias-de-bryde e do uso sustentável de nosso litoral como seu habitat.
AÇÕES
Manutenção de um banco de dados de avistagens e reavistagens a partir de fotografias encaminhadas por vários segmentos da sociedade para iniciativas de conservação da espécie.
Ampliação o conhecimento sobre as baleias-de-bryde na região Sudeste (Rio de Janeiro e São Paulo) na primavera, verão e outono além de estender esse estudo para outras áreas de ocorrência.
Participação ativamente na formulação de políticas públicas de conservação e proteção de áreas marinhas, em especial as que possam ajudar na conservação da baleia-de-bryde no Brasil e no mundo.
O sucesso do uso da ferramenta depende do acréscimo de dados ao longo dos anos e da cooperação entre pesquisadores, por meio da troca de catálogos entre diferentes instituições de pesquisa.
Participe você também! Ao avistar uma baleia-de-bryde, fotografe principalmente sua nadadeira dorsal e envie para o website.
Maiores informações e dicas de fotografias podem ser obtidas no website:
Brydes do Brasil: http://www.brydesdobrasil.com.br
Contato: contato@brydesdobrasil.com.br
Avistagem: avistamento@brydesdobrasil.com.br
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Bibliografia
FIGUEIREDO, L.D.; TARDIN, R.H.; LODI, L.; MACIEL, I.S.; ALVES, M.A.S.; SIMÃO, S.M. Site fidelity of bryde’s whales (Balaenoptera edeni) in Cabo Frio region, southeastern Brazil, through photoidentification technique. Brazilian Journal of Aquatic Science and Technology, v. 18, n. 2, p.59-64, 2014.
IUCN. Disponível em <https://www.iucnredlist.org/species/2476/50349178>. Accesso em: 05 set.2019.
LODI, L.; BOROBIA B. Baleias, botos e golfinhos do Brasil: Guia de identificação. Rio de Janeiro: Editora Technical Books, 2013.
LODI, L; MARICATO, G. Brydes do Brasil: Rede Nacional de Baleias-de-Bryde Foto-Identificadas. Resumos. XII Congreso de la Sociedad Latinoamericana de Especialistas em Mamíferos Acuáticos - RT 18. 05-08 novembro, 2018. Lima, Peru. Sociedade Latinoamericana de Especialistas em Mamíferos Acuáticos, Centro para a Sustentabilidad Ambiental, Universidad Peruana Cayetano Heredia (Organização). p. 192.
LODI, L.; TARDIN, R.H.; HETZEL, B.; MACIEL, I.S.; FIGUEIREDO, L.D; SIMÃO, S.M. Bryde´s whale (Cetartiodactyla: Balaenopteridae) occurrence and movements in coastal areas of southeastern Brazil. Zoologia, v. 32, n. 2, p.171-175, 2015. http://dx.doi.org/10.1590/S1984-46702015000200009
PASTENE, L.A.; ACEVEDO, J.; SICILIANO, S.; SHOLL, T.C.G.; MOURA, J.F.; OTT, P.H.; AGUAYO-LOBO, A. Population genetic structure of the South American Bryde's whale. Revista de Biología Marina y Oceanografía, v. 50, n.3, p.453-464, 2015. https://scielo.conicyt.cl/pdf/revbiolmar/v50n3/art05.pdf