Autores: José Pedro Vieira Arruda Júnior, Fernanda Cabral Jeronimo, Aline Pereira Costa e Douglas F. Peiró
Ana e Felipe são estudantes de uma escola situada numa unidade de conservação e estão conhecendo melhor a biodiversidade do local onde moram. Fonte: © 2020 Pedro Arruda.
Vamos começar com uma situação hipotética, mas que pode ser a realidade de várias pessoas, inclusive a sua. Conte-nos depois de ler este artigo!
Ana, moradora de uma comunidade situada em uma Unidade de Conservação Marinha, acorda de manhã e aproveita a maré baixa para investigar os animais que existem nos recifes de arenito próximos de sua casa. Cada vez que avista um animal, ela anota em seu caderninho de bolso o nome do organismo, etc. e cria uma lista de espécies para aquela área. Um pouco mais ao longe, ela vê seu colega de turma, Felipe, que está fazendo um trabalho parecido com o de Ana: ele está observando as aves que estão se alimentando na faixa de praia. Ele anota a quantidade de animais, o comportamento das aves e etc.
Engana-se quem acha que Ana e Felipe guardam esses dados para si. Eles fazem parte de um projeto de Biologia do professor Pedro, que estimula os estudantes da escola a conhecerem mais sobre a biodiversidade do local onde nasceram. A atividade consiste em escolher um local de interesse e investigar os seres vivos que existem ali. Os dados coletados também não ficam só com o professor, são utilizados para alimentar um banco de dados com as espécies que existem na Unidade de Conservação.
Qual a vantagem disso? Tanto a Ana como o Felipe e seus colegas de turma estão sempre na Unidade de Conservação e poderão fornecer dados de diversos períodos e locais com mais frequência. Isso não é interessante?
Os dados coletados e fornecidos por essas pessoas são informações que nos mostram um panorama de uma questão em larga escala e que os cientistas dificilmente conseguiriam apenas com a sua equipe. Essa prática de coleta de dados de forma voluntária e por pessoas sem formação científica é chamada de ciência cidadã.
QUAL A IMPORTÂNCIA DA CIÊNCIA CIDADÃ PARA A CONSERVAÇÃO DO OCEANO?
A ciência cidadã é uma oportunidade de trazer a comunidade mais próxima dos problemas relacionados ao oceano e ajudar a propor soluções. Fonte: © 2020 Pedro Arruda.
Estamos na Década do Oceano e muitos dos problemas que são investigados pelos cientistas estão afetando o oceano em pouco tempo. O Instituto Bióicos, por exemplo, está participando dessa iniciativa com nosso trabalho de comunicação científica por meio de artigos de divulgação científica, podcasts, vídeos, cursos e postagens nas redes sociais.
Cada vez mais temos lixo nas praias, a sobrepesca vem afetando os ecossistemas marinhos e a biodiversidade marinha se encontra vulnerável às mudanças climáticas e aos impactos causados pelas atividades humanas. Esses impactos estão acontecendo em larga escala e, muitas vezes, não são detectados pelos cientistas. Alguns fenômenos podem não ser percebidos devido à dificuldade de acesso ao local ou porque os cientistas não tiveram tempo para verificá-lo. Mas isso pode ser diferente, devido ao auxílio da ciência cidadã!
A colaboração dessas pessoas que possuem contato direto com o mar, seja para fins de moradia, trabalho, educação ambiental e de lazer, é muito importante, pois são pessoas presentes diariamente neste ambiente. Essa ajuda reduz custos para os cientistas e gera dados importantes para responder perguntas, promover medidas de conservação e desenvolver políticas públicas para o oceano de forma inclusiva.
Uma vez que os cientistas motivam os pescadores a medir e disponibilizar dados biométricos do pescado ou os moradores de comunidades tradicionais a detectarem encalhes e participarem de resgate de mamíferos marinhos, eles não estão utilizando essas pessoas como mão de obra para o seu trabalho, mas estão formando voluntários para atuar na construção do conhecimento científico. Além disso, estão transformando aquela ciência intocável e distante do cidadão em algo divertido e que pode ser feito por todos. Em tempos de negação da ciência, a ciência cidadã é uma excelente forma de ensinar e proteger o oceano.
MAS COMO VOCÊ PODE FAZER CIÊNCIA CIDADÃ?
Os mergulhadores estão sempre observando o ambiente marinho e são grandes aliados dos projetos de conservação dos oceanos. Fonte: Pxhere (CC0).
Alguns cientistas utilizam as redes sociais para divulgar os seus projetos de ciência cidadã. No instagram, o projeto De Olho nos Corais, iniciativa desenvolvida pela equipe do Professor Dr. Guilherme Ortigara Longo, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, envolve os mergulhadores no monitoramento da saúde dos corais na costa do Rio Grande do Norte. Nesse projeto, os eventos de branqueamento são detectados por mergulhadores que fornecem valiosas informações sobre a localização dos corais branqueados.
No Ceará, as dunas da Sabiaguaba são frequentemente limpas pelo Projeto Fortaleza pelas Dunas, que recruta mutirões de limpeza com membros da comunidade local, ambientalistas, estudantes e todos que tiverem interesse. O lixo coletado é pesado e os dados podem colaborar com investigações sobre o nível de lixo que vem sendo descartado nas dunas e a origem desses materiais.
As escolas também não podem ficar fora dessa! Dentro de unidades de conservação marinhas, as escolas precisam ser locais de discussão sobre o ambiente onde os estudantes e professores estão inseridos. A escola precisa refletir a comunidade e a ciência cidadã tem a proposta de fazer os estudantes praticarem a ciência e serem membros ativos para a proteção dos ambientes marinhos.
A ciência cidadã é uma forma de mostrar para as pessoas que a ciência não é algo restrito aos cientistas e que podemos atuar juntos na conservação e proteção do oceano. A Década do Oceano está aí e juntos poderemos construir uma nova ciência, mais diversa e inclusiva para a proteção do oceano.
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Bibliografia
BUENO, C. Envolver não cientistas em pesquisas pode apoiar a aprendizagem e o engajamento do público com a ciência. Ciência e Cultura, v. 71, n. 1, p. 16-19, 2019. Disponível em: http://cienciaecultura.bvs.br/pdf/cic/v71n1/v71n1a06.pdf. Acesso em: 18 Nov. 2020.
VIEIRA, E. A.; DE SOUZA, L. R.; LONGO, G. O. Diving into science and conservation: recreational divers can monitor reef assemblages. Perspectives in Ecology and Conservation, 2020. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S253006441930135X. Acesso em: 18 Nov. 2020.
UNESCO. Cultura Oceânica para todos: Kit pedagógico. 2020. Disponível em: http://decada.ciencianomar.mctic.gov.br/wp-content/uploads/2021/02/Cultura_oceanica_para_todos.pdf. Acesso em: 18 Nov. 2021.