Autores: Lucas Rodrigues, Mariana P. Haueisen, Fernanda Cabral Jeronimo, Thais R. Semprebom e Douglas F. Peiró
Pescadores artesanais em Tibau, Rio Grande do Norte. Fonte: Tibau/Wikimedia Commons (CC BY-SA 3.0).
Dentre as diversas populações tradicionais, os pescadores artesanais são uma das populações mais presentes no território costeiro. Apesar do conceito de pescador artesanal ser bem diverso e bastante discutido, ainda não conta com uma definição perfeita. Podemos nos basear no fato de que a pesca artesanal é a atividade realizada por pessoas que vivem em certas comunidades e que realizam atividades de pesca em pequena escala, sem visão comercial e/ou de exportação de grandes proporções. Eles pescam apenas para o consumo da própria família, da comunidade local e para vendas em mercados locais. Apesar de existirem casos de pescadores artesanais que exportam e degradam o meio ambiente, vamos considerar aqui aqueles que realizam a pesca artesanal de modo subsistente.
O pescador artesanal é um sujeito social que tem uma relação intrínseca e direta com a natureza e depende dela para extrair seus recursos e sobreviver. Por isso, esses pescadores não têm interesse em degradar o ambiente, pois dependem do bom funcionamento dos ecossistemas para ter produtividade em suas atividades.
Por dependerem da natureza para sobreviver e por estarem nesses ambientes há muito tempo, eles acabam desenvolvendo conhecimentos específicos e importantes sobre a natureza. Assim, a pesca artesanal só é realizada devido ao grande conhecimento acumulado sobre o espaço marinho e costeiro. Esse conhecimento é construído a partir da experiência, abstração e intuição dos pescadores.
Pescadores artesanais de Gana (África Ocidental). Fonte: NOAA NMFS International Affairs/Flickr (CC BY 2.0).
Os pescadores artesanais têm uma ampla noção da maneira que a natureza funciona. Afirmam que as fases da Lua e as fases da maré são cruciais no funcionamento do ambiente marinho, pois elas interferem na pesca. As fases da Lua determinam as marés e, a partir das marés, espécies de peixes estarão presentes ou não no espaço aquático. Dessa forma, os pescadores percebem a existência ou não de peixes e qual a melhor modalidade de captura.
Os pescadores artesanais também sabem que os ventos interferem na dinâmica pesqueira. Além disso, desenvolveram mecanismos de controle ecológico. Sabem onde pescar e em quais épocas do ano, pois não querem acabar com os estoques de espécies, fazendo, então, uma retirada de recursos de maneira sustentável. Sem o declínio extremo das populações de peixes, é possível que populações dessas espécies se recuperem. Eles não pescam em áreas e épocas reprodutivas ou em que existam indivíduos jovens, e fazem uma alternância entre locais de pesca para não haver risco de esgotamento dos recursos, pois dependem desses recursos para sobreviver.
Existem relatos de reconhecimento da importância da restinga, pois é ela que sustenta areia e serve de abrigo não somente para essas pessoas, mas também para diversos animais. Os pescadores artesanais sabem a importância de manter a natureza em pé e não são a favor do desmatamento, porque sabem que se só existisse areia, não seria possível morar nesses lugares, pois a vegetação ajuda a segurar o substrato, garantindo a proteção desses moradores.
Essas pessoas conseguem compreender teias alimentares em até seis níveis tróficos. Têm uma capacidade quase que científica em relação aos hábitos alimentares das espécies e às interações tróficas ou até mesmo relações ecológicas entre espécies. Acumulam um grande conhecimento sobre espécies de peixes, crustáceos e o ambiente em que elas vivem, sendo capazes de entender anatomia, comportamento, ecologia e outras abordagens, como os clados dos peixes. Também possuem uma grande sabedoria sobre riqueza e diversidade de espécies, conseguindo identificar até aproximadamente 600 espécies distintas.
Os pescadores artesanais têm um grande saber sobre a dinâmica da natureza devido a sua relação intrínseca com o ambiente natural. Fonte: Quang Nguyen Vinh/Pexels.
Isso tudo reflete o que chamamos de etnoconhecimento, que é o conhecimento popular sobre a natureza. Por exemplo, conhecer muitas espécies com importância medicinal, relevantes no tratamento e prevenção de doenças, fazendo parte da medicina local. Isso é muito importante, principalmente por, no geral, não terem acesso aos remédios comercializados nos centros urbanos.
A partir disso, enfatizamos que essas populações têm direito a viver onde vivem e não devem ser ameaçadas. São comunidades importantes para a cultura, história, conhecimento e modelo de relação com a natureza, portanto, devem ser valorizadas. Utilizam de maneira sábia os recursos naturais garantindo a sua própria sobrevivência e o funcionamento equilibrado dos ecossistemas. Por terem um sentimento de pertencimento ao ambiente costeiro, essas populações tradicionais têm conservado o ambiente por anos, sendo extraído delas o modelo no qual deveríamos nos espelhar para o manejo e retirada de recursos da natureza.
Infelizmente, o uso do espaço por essas comunidades tradicionais é marcado por disputas, tensões e conflitos. Elas têm seus territórios ameaçados pela expansão da urbanização, turismo, especulação imobiliária, desmatamento, entre outros. Consequentemente, essas populações sofrem uma descaracterização.
A IMPORTÂNCIA DE PROJETOS DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL: EXEMPLO DE CASO
Programas socioambientais podem ser benéficos para a preservação das práticas tradicionais, dos ‘saberes e fazeres’, assegurando seus direitos perante aos órgãos fiscalizadores ou prestando apoio em audiências públicas. Isso não significa dizer que os pescadores dependam de alguma forma deles, porém, projetos com temáticas socioambientais podem ser utilizados na busca de seus direitos como população tradicional. Por exemplo, existem programas de educação ambiental exigidos pelo licenciamento ambiental e projetos vinculados ao programa da Petrobras Socioambiental. Na maioria das vezes, ambos prestam auxílio aos pescadores e populações tradicionais em geral, de forma a garantir seus direitos legais.
Um dos vários projetos importantes é o Observatório de Niterói, que integra o PEA (Programa de Educação Ambiental) Observação. O Observatório de Niterói tem como objetivo principal identificar, monitorar e encaminhar os impactos da cadeia produtiva de petróleo na vida dos pescadores artesanais da Ilha da Conceição (Niterói, RJ). O PEA Observação é uma medida de mitigação exigida pelo licenciamento ambiental conduzido pelo IBAMA, sob a responsabilidade da PetroRio S.A.
Por ser um bairro que circunda a Baía de Guanabara, ao longo dos anos, a Ilha da Conceição vem perdendo seu espaço terrestre e marinho para grandes empresas que se encontram no bairro ou para embarcações de grande porte que circundam o território pesqueiro, dificultando a prática dos pescadores artesanais.
É de extrema importância a implementação e incentivo a esses projetos, para que a cultura tradicional permaneça viva e que seu espaço, que é garantido por lei, seja assegurado. Para que a atividade seja exercida com dignidade, os pescadores dependem de um espaço para pescar (já que muitos pescadores sofrem com a perda de espaço para grandes embarcações) e de uma legislação justa, para que seja sanado todo o possível prejuízo ou impacto negativo nesses ecossistemas.
Um dos impactos relatados pelos pescadores é a competição por espaço na Baía de Guanabara, onde embarcações de grande porte “estacionam” por toda região onde existe a possibilidade de pescar. Repare na diferença de tamanho entre as embarcações. Fonte: Observatório de Niterói - PEA Observação.
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Bibliografia
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